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Esta entrevista faz parte da rubrica quinzenal: Segundas de Inspiração.
Histórias de quem trocou o certo pelo incerto
e de quem seguiu percursos profissionais diferentes dos convencionais.
Espero que te inspire.

Nome: João Delicado

O que fazes?
Sou psicoterapeuta e autor.

Quem és tu além daquilo que fazes?

Sou o mesmo que tu e o mesmo que quem vai ler esta entrevista: um ser espiritual a ter uma experiência humana – neste caso um filho, irmão, homem, amigo, profissional, lisboeta, português, europeu, terráqueo; um ser em permanente descoberta de novas expressões de quem é na sua essência.

O que deixaste na tua vida profissional passada?

Visto que já vou na minha 4ª vida profissional, já deixei muitas vezes muita coisa para trás. Na 1ª mudança deixei o mundo da Arquitetura. Na 2ª mudança estava quase a concluir a formação para ser padre e decidi não continuar. Na 3ª mudança deixei de ser professor num colégio para passar a trabalhar como ‘life coach’. Desde aí tenho sempre trabalhado por conta própria, agora como psicoterapeuta.

Como percebeste que querias deixar o trabalho por conta de outrem?

Aquando da minha 3ª mudança estava a gostar de dar aulas mas não me sentia feito para aquelas idades – eram miúdos entre os 10 e os 14 anos! Se o contacto com os alunos já era por si exigente, a disciplina de Religião e Moral confinava-me a uma ‘camisa de forças’ feita de 45 minutos por semana com cada turma. Isso punha-me num conflito interno: entendo que ser professor é, antes de mais, estar numa relação de qualidade com os alunos e isso só o conseguia muito pontualmente naquelas condições.

Na prática investia uns 15 minutos para o ‘take-off’ da aula, depois aproveitávamos uns 20 minutos e depois já era tempo para fechar com alguma dignidade antes de nos despedirmos até à semana seguinte. Enfim, era muito esforço, pouco fruto e muita frustração. Apesar de ser altamente improvável ainda aproveitei a minha condição de ‘outsider’ para pedir ao diretor se não poderia dar-me ao menos dois tempos por semana com as turmas.

Claro que não podia. Era o sistema. E quando o sistema não tem a flexibilidade de que precisamos, temos de ser nós a incrementar a nossa flexibilidade. É que, apesar de tudo, pensando bem e assumindo a minha quota de responsabilidade – mesmo que pudesse ter os tais dois tempos de 45 + 45 minutos – no fundo eu sabia que não era o lugar onde poderia dar mais fruto e, a partir dali para a frente, estaria a ser infiel a mim mesmo e a definhar.

Quanto tempo até dares o salto?

Ora bem, entrei para o colégio a meio de um ano letivo para substituir uma professora que ficara de baixa e rapidamente percebi porque é que ela ficara de baixa! Depois, eu sabia que menos de um ano de permanência seria demasiado pouco para chegar a tomar o pulso e experimentar-me enraizado naquele contexto. Então aceitei arrancar o novo ano letivo sabendo que, entretanto, até ao final desse ano, teria o meu tempo para discernir sobre os passos a seguir.

Em paralelo aconteceu algo de muito especial: à margem da lecionação, apaixonei-me pelo desenvolvimento pessoal: foi mesmo paixão à primeira vista! Um novo mundo que se abriu na minha vida. Então, sempre que podia, aproveitava o meu tempo livre para receber formação.

Lembro-me de passar uma semana longe de casa, como aluno numa formação intensiva em Programação Neurolinguística perto do Porto e, à noite, ia para a cama corrigir testes de Religião e Moral. Um ‘mix’ curioso a dizer de dois mundos que conviviam lado a lado.

Com que idade fizeste essa mudança?

Andava pelos meus 37 anos. Nunca pensei na idade. Sabia que queria sentir-me vivo e o mais em casa possível onde quer que desempenhasse a minha atividade profissional. Então pus os meios. Na altura em que saí do colégio não é que tivesse um plano muito definido. As mudanças que já tinha feito no passado davam-me confiança. E, claro, a rede de suporte dada pelos meus pais foi fundamental: ofereceu-me condições para o fazer em segurança.

Passados uns meses dessa saída pude encetar um novo percurso que viria a conduzir à mais recente mudança de capítulo na minha vida profissional: os mais de 5 anos de estudos em psicoterapia permitiram-me fazer uma transição suave, consistente e maturada entre o ‘life coach’ e o psicoterapeuta, a expressão profissional que assumo hoje em dia.

Que desafios tiveste de ultrapassar para, hoje, poderes fazer aquilo que gostas?

Muitas vezes tive que bater com a cabeça na parede. Tive que fazer escolhas erradas e arrastar-me pelo chão. Tive que pedir ajuda. Tive que ponderar bem e, mesmo assim, voltar a esbardalhar-me – como se diz agora. Tive de me apoiar na família, em amigos, em formadores. Tive de me inspirar em pessoas daquelas originais que não cabem nos caminhos largos mais comuns e que saem de estrada para se encontrarem. Sobretudo tive de aprender a distinguir a voz da cabeça e a voz do coração, a voz do ego e a voz da alma. No fundo, tive de aprender a gramática básica do diálogo interno – algo que deveria ser lecionado algures durante a escolaridade!

O que terias feito diferente?

Olhando em retrospectiva arrependo-me de muito pouco mas, se tivesse uma varinha mágica, trocava a minha primeira licenciatura por outra na área comportamental. Mas o João da altura, coitado, fez a melhor escolha que sabia fazer. Se soubesse o que sei hoje acho que me tinha demorado menos tempo em cada uma das grandes decisões que precisei de tomar. Teria sofrido menos com cada uma das guerras civis que vivi cá dentro. Mas agora – também é verdade – é isso que me habilita a ajudar pessoas que atravessam momentos desses.

Um conselho para quem está insatisfeito com a sua vida profissional e quer dar o salto.

Diria: lembra-te que estamos cá por muito pouco tempo. A sério. Isto passa num instante. Se vives para o fim‑de‑semana, se vives para chegar às férias ou à reforma, então desculpa mas não vives, sobrevives. Mereces bem mais do que isso. Então encontra tempo para estares contigo, para te conheceres a fundo e largares o que já é obsoleto em ti – hábitos, padrões, atitudes, crenças limitadoras.

Assim, hás de ser capaz de largar também o conceito de ‘sucesso’ vigente e ‘socialmente correto’: em vez disso, ousa desenhar a tua própria definição juntamente com quem te quer bem! Pessoas infelizes no mundo já há demasiadas. O melhor que podes fazer por ti, pelos teus e pelo mundo é encontrares o que te acende o coração, o que te faz brilhar os olhos, o que te faz respirar fundo, desde a alma. E, se queres realmente dar o salto então aprende a dar saltinhos. Uma grande montanha sobe-se saltinho a saltinho.

Uma ideia ou um sonho que gostasses de tirar da gaveta.

Ainda há pouco falava com o meu irmão Nuno sobre os meus 7 livros não publicados – isto é meio piada, meio a sério. A verdade é que a minha produção escrita me ultrapassa! Sinto um fulgor em passar experiências para escrita mas publicar em livro exige um tempo de paragem e um olhar para trás para o qual não tenho encontrado disposição. Preparar um livro é, para mim, como estar a organizar textos de um lugar onde já não estou. Para isso prefiro escrever sobre os lugares que atravesso no momento presente: daí que as redes sociais correspondam mais facilmente à velocidade da minha produção escrita.

De resto, sonhos não me faltam mas não os vou contar agora: tudo o que está em gestação precisa do seu silêncio e sossego. O que posso dizer é que estou a aproveitar este ‘tempo sabático’ no que toca à minha faceta de formador para ir explorando novos horizontes dentro deste vasto oceano que é o desenvolvimento pessoal. No presente e no futuro certamente continuarão a encontrar-me a experimentar caminhos que liguem corpo, mente e espírito, para depois partilhar tudo quanto de bom tenha descoberto: isso hei de o manifestar num texto, numa sessão individual, numa formação, numa palestra ou num retiro.

Foi bom este bocadinho!
Fez-me revisitar períodos importantes da minha vida.
Que traga luz para quem dela precise.

Conhece o blogue do João, Ver para além do Olhar, e acompanha as suas publicações no Instagram e no Facebook.

2 Comments

  1. Ê pá, a caixinha “subscribe the newsletter“ não deixa a gente ler o texto. No iPhone a caixa tapa a vista inteira, não dá para tirá-la de maneira alguma.

    1. Obrigada pelo reparo. É estranho não aparecer a cruz para fechar a caixinha, pois aparece em Android… de qualquer forma alterei uma configuração geral e espero que já consiga ler o artigo sem aparecer o pop up.

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