A felicidade no trabalho é um conceito que ainda suscita algum ceticismo no mundo corporativo.
Não só pela dificuldade em perceber o que significa, em concreto, a palavra “Felicidade”, mas também porque existem muitas ideias erradas em relação à sua aplicabilidade.
De facto, a felicidade é subjetiva, e varia de indivíduo para indivíduo, mas isso não significa que não seja possível estudá-la, de forma a compreender o que podemos fazer para aumentar os níveis de felicidade, nomeadamente no local de trabalho.
E é precisamente a partir dos estudos que tenho feito, e da minha experiência corporativa, que partilho 7 mitos em relação a este tema, e espero que ajudem a desmistificar o mesmo.
Mito 1: Felicidade e satisfação significam a mesma coisa
Apesar dos conceitos estarem muito interligados, não significam a mesma coisa.
Um indivíduo pode sentir-se satisfeito na empresa, mas não se sentir feliz profissionalmente.
Imaginemos uma empresa que oferece alguns benefícios, como: café grátis, seguro de saúde, massagens, e até serviço de lavandaria.
Um pacote de benefícios atrativo que deixaria muitas pessoas “felizes” numa primeira abordagem.
No entanto, se esta organização não estiver disponível para escutar o feedback dos colaboradores, nem dar oportunidades de crescimento profissional, por muito satisfeito que um indivíduo esteja, vai sentir falta de aspetos mais intrínsecos e que têm a ver com as suas necessidades a um nível mais profundo.
As necessidades de valorização, reconhecimento, novidade, pertença, …
É a satisfação destas necessidades, em conjunto com as necessidades básicas, que vai fazer a diferença na retenção de um colaborador.
É a satisfação destas necessidades que, a longo prazo, faz com que o colaborador se sinta feliz profissionalmente.
Mito 2: A felicidade não pode ser medida
A ciência da felicidade tem nome: psicologia positiva.
Este ramo da psicologia, criado pelo psicólogo Martin Seligman, procura estudar os pensamentos, sentimentos e comportamentos humanos, enfatizando os aspetos positivos da personalidade.
Seligman desenvolveu o modelo PERMA, segundo o qual existem 5 elementos que contribuem para a felicidade:
Positive Emotions | Emoções Positivas
Engagement | Envolvimento
Relationships | Relacionamentos
Meaning | Propósito
Accomplishment | Realização
Com base neste estudo, muitos outros surgiram.
A investigação tem avançado cada vez mais na análise dos fatores que contribuem para um maior, ou menor, sentimento de felicidade dos indivíduos. O que leva à criação de questionários cada vez mais aprofundados sobre esta temática.
Os questionários são criados com uma base científica, através de pesquisas, testes e normalização. Os itens são testados em amostras da população e o questionário é depois estudado e refinado, para que de facto possa avaliar o que se pretende testar.
Claro que, para medir a felicidade no trabalho, há que considerar alguns indicadores associados como o absentismo / presentismo, taxa de rotatividade, taxa de retenção, produtividade, etc.
O cruzamento de informação entre ambos os resultados, permitirá então obter respostas acerca dos níveis de felicidade dos colaboradores na empresa.
Mito 3: Quando encontrares o teu trabalho de sonho, serás feliz
Ninguém, muito menos uma organização, pode ser responsável pela felicidade de um indivíduo.
A felicidade é um estado intrínseco, daí que muitas pessoas estejam equivocadas ao procurar este sentimento no exterior.
Estudos levados a cabo por investigadores na área da psicologia positiva, mostram que aquilo que pensamos que nos vai fazer felizes, na realidade, não nos traz felicidade.
Um estudo realizado por Gilbert et al em 1998 demostrou que, quando um indivíduo não consegue a oportunidade de trabalho que pretende, a queda no nível de felicidade não é assim tão acentuada, como o indivíduo previa (Immune neglect: A source of durability bias in affective forecasting).
A nossa perceção de como nos vamos sentir quando alcançarmos determinado objetivo – ter um trabalho de sonho, muito dinheiro, boas notas, uma relação para a vida, … – é muitas vezes enviesada pela interpretação incorreta que fazemos da realidade.
Mito 4: A empresa é responsável pela felicidade dos seus colaboradores
Ninguém é responsável pela felicidade de ninguém, a não ser de si próprio, e isto é válido a nível profissional e pessoal.
Inclusive, 50% da nossa felicidade depende da nossa genética. Apenas 40% depende das nossas ações e pensamentos, e 10% das circunstâncias da vida.
Por muito que uma organização se esforce por implementar todas as práticas de excelência, se aquela pessoa estiver a passar por uma fase menos positiva, nada a fará sentir-se feliz; o que, já agora, não impede que continue a ser produtiva no seu dia-a-dia, mas a perceção que tem daquilo que a rodeia, será completamente influenciada pelas circunstâncias que estiver a viver.
Enquanto que a organização é responsável por criar as condições para o indivíduo se sentir bem a desempenhar as suas tarefas e funções no dia-a-dia, cada indivíduo é responsável por fazer o seu trabalho interior, no sentido de perceber qual é o seu propósito e as necessidades que precisa de ver preenchidas, para se sentir feliz.
Mito 5: Mesas de ping-pong, matrecos e cervejas aumentam o nível de felicidade e envolvimento dos colaboradores
É certo que o convívio social é importante em qualquer esfera da nossa vida, o que inclui a dimensão profissional.
O facto de as empresas possibilitarem espaços descontraídos e momentos para promover o convívio e a socialização é uma excelente forma de promover o envolvimento das pessoas e potenciar um bom ambiente de trabalho.
Mas não é, só por si, suficiente.
Se a empresa tiver todas essas possibilidades de diversão / distração, sem uma cultura de base em que, por exemplo, se valorize a autorresponsabilização, o efeito será precisamente o inverso.
Imaginemos que um colaborador faz constantemente pausas para café. Ou para um joguinho. Ou uma conversa no corredor. E com estas pausas, interrompe o trabalho e tem níveis de produtividade mais baixos. Qual é a vantagem de oferecer estas condições a esses colaboradores?
Nenhuma.
É preciso incentivar a autorresponsabilização, a disciplina e o bom senso.
É preciso ter uma cultura organizacional bem definida e percecionada pelos indivíduos para conseguir obter o melhor dos dois mundos.
Mito 6: O dinheiro faz toda a diferença
O conceito de carreira para a vida deixou de existir nas gerações mais jovens, hoje movidas por um forte sentido de missão e uma forte necessidade de novidade e experiência.
São estas novas necessidades que levam algumas pessoas a optar por ofertas de trabalho em que até perdem algum rendimento, em prol da oportunidade de poderem crescer profissionalmente, vivenciar ambientes mais criativos ou desafiantes, ou até encontrarem o verdadeiro motivo que as leva a sair da cama.
O dinheiro pode influenciar na escolha de uma empresa, mas não é o dinheiro que vai inspirar as pessoas a dar o seu melhor e contribuir ativamente para os resultados.
Ainda assim, é obvio que a componente financeira tem o seu peso e se o indivíduo não vir as suas necessidades básicas asseguradas, de nada vale ter a melhor cultura organizacional do mundo.
Mito 7: Temos de estar sempre felizes
Construir uma cultura organizacional de felicidade, não significa que o objetivo da empresa é ter colaboradores felizes a tempo inteiro, mas sim proporcionar o ambiente para que esse sentimento possa ser percecionado.
Não se pode esperar que o Líder, o Colaborador ou até mesmo o Diretor de Felicidade estejam sempre a sorrir e de bem com a vida. Cada um destes elementos, é um indivíduo que tem desafios e dificuldades, tal como os que o rodeiam.
O grande segredo é saber como encarar as várias circunstâncias que a vida nos apresenta, e lidar com elas da melhor forma possível, de acordo com os recursos que temos disponíveis no momento.
Cada organização tem de moldar a experiência da felicidade à sua cultura organizacional, à sua estrutura, às necessidades das suas pessoas e sobretudo, à capacidade que tem para promover medidas ou condições de bem-estar.
Isso significa integrar que cada indivíduo é diferente, e aquilo que me faz feliz a mim, poderá não fazer ao meu colega.
Aceitar e respeitar estas diferenças faz parte de uma cultura de felicidade.
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Espero que esta abordagem te tenha trazido alguma clareza sobre este tema e desmistificado um pouco tudo o que o envolve a felicidade no trabalho.
O tema merece ser encarado com a seriedade que merece.
Um Plano de Felicidade Corporativa implica muito estudo, estratégia e avaliação e tem de ser completo e inclusivo, procurando sinergias entre os departamentos de RH e Marketing, nos casos em que estes existam (para não falar do apoio dos Líderes, que devem ser os verdadeiros impulsionadores de medidas de felicidade nas organizações).
A cultura de felicidade tem de fazer parte do ADN da organização, para que, independentemente da componente salarial, dos benefícios ou do ambiente descontraído, os colaboradores sintam vontade de ir trabalhar e contribuir ativamente para o crescimento e sucesso da mesma.
Seguimos juntos!